E a princesa de lá
Foi trazida pra cá
A herdeira bem-vinda
Viu Bela Vista chorar
Ao seu rei lhe ofertar
A esmeralda mais linda
Se fez a mãe do lugar
Tem assento no altar
Trouxe o ouro de Cinda
Quem nasceu pra nos guiar
Ama e sinhá
Nossa vovó Cambinda
A mãe do lugar-(Maurinho de Jesus – Arthur Favela)
"Houve um tempo em que fazer samba em São Paulo era tarefa de leão. A polícia acabava com qualquer pagode na base do chanfalho e não tinha quás-quás-quás. O sambista que marcasse bobeira ia pro xilindró. Nessa época, o samba da paulicéia só não foi pro beleléu graças a uma patota de muita fé, que encarava o que desse e viesse, mas botava o samba na rua.
Quando o Campos Elíseos descia a Avenida São João e encontrava o Vai-Vai subindo, o perereco fervia. O baliza do Campos Elíseos e o do Vai-Vai avançavam e, com mil e uma mumunhas, dançavam batendo o bastão um no outro. E as baterias faziam das tripas coração pra abafar a do inimigo. E as porta-bandeiras diziam tudo que sabiam no pé, fazendo evoluções magníficas, que agitavam os gloriosos pavilhões. Mas, tudo até aí era competição honesta, gentilezas e tal e coisa. Depois, as escolas iam passando uma pela outra. E dava bochicho. A negada das alas não perdiam a chance de xingar e esculachar o pessoal adversário. E como ninguém comia enrolado, o rolo se formava.
Surgiam na parada navalhas, pau, tamanco e muito ferro. O resultado era cana brava e hospital sentido. Mas, deixa isso tudo de lado. O que quero contar e o que pesa na balança é que, naquele tempo bravo, uma das cabrochas mais bonitas e mais entusiasmadas com o samba era a Sinhá da Barra Funda. Ela, no Carnaval, não fazia cerimônia. Brincava pra valer e botava fogo no pagode.
Saía da Barra Funda um trio de couro comandado pelo Inocêncio Mulata. Vinha lá do Largo da Banana, mandando ver. Atrás vinham uns vinte crioulos sambando e, entre eles, a cabrocha Sinhá, de alta linha e de muita embaixada. E por onde o pagode ia passando, ia juntando gente na cola.
Quando o trio de couro chegava na Praça Marechal, já eram mil crioulos dando o recado. E na Alameda Glete, já crescia o número pra dois, três mil pagodeiros. E iam em frente até a polícia entrar na fita. Depois, Sinhá, sem sentir falta de gás, vestia a fantasia e saia pelas ruas com o Camisa Verde e Branco da Barra Funda, seu cordão de axé forte, que hoje virou escola, mas continua legal como era no começo, nas mãos do Mestre Dionísio.
E foi assim que a cabrocha Sinhá ganhou divisas de sambista batalhadora pelos pagodes. Ninguém lhe deu os títulos. Ela foi buscá-los no meio da batalha e se fez a maior no samba da Paulicéia. Porém (e sempre tem um porém), os anos passam. As novas gerações de sambistas já encontraram meio caminho aberto pelos que vieram na frente.
Já pegaram subvenções, proteção da polícia, organização e nem se lembraram dos que conquistaram esse pouco, quase nada, mas que, comparado com antigamente, é muito.
A cabrocha Sinhá, que agora é a nossa querida Tia Sinhá e que agora permanece firme na Escola de Samba Camisa Verde e Branco da Barra Funda, incrementando o samba e dando embalo pros pagodeiros, foi esquecida. Nunca ninguém se lembrou de fazer uma homenagem a ela, campeã de tantos carnavais.
Todos reconhecem seus méritos de primeira dama do samba paulista: Mocidade Alegre, Unidos da Vila Maria, Peruchão, Morro da Casa Verde, Peruchinho, Folha Azul do Marujo, Lavapés,Império do Cambuci, Vai-Vai, Fio de Ouro, Unidos do Tatuapé, Império do Ipiranga e todas as outras. Mas, ficam fechados em copas em relação à querida Tia Sinhá, que está aí mesmo, no Camisa Verde e Branco.
Mas afinal, a justa homenagem do samba paulista à sua primeira dama vai acontecer. O Paulistano da Glória, que se lança esse ano novamente como escola de samba, escolheu a Tia Sinhá da Barra Funda pra madrinha de sua bandeira. Não podiam ter sido mais felizes a patota do Paulistano da Glória. Justa homenagem a quem tanto fez pelo carnaval paulista. Fez por fazer, fez por gosto, fez por amor, fez por acreditar na beleza da vida e na grandeza de um povo que canta na rua.